A última estação: Sem assunto 1

 A última estação, a história de uma menina que se vê num trem para Paranapiacaba, lança uma instigante pergunta: o que acontece com as pessoas que perderam a sanidade antes de morrer?

Vencedora do prêmio de melhor atriz do Festival de Cinema de Recife, a também terapeuta Marisol Ribeiro nos convida a acompanhá-la nessa viagem possível pela repetição que nos assombra, em vida e na morte.

Não existem pessoas na catedral.

Dormir em um monumento histórico é de uma malandragem que eu costumava chamar de coragem, mas agora vejo, que não existe nenhuma coragem nesse ato.

Estou com medo, me escondo atrás de um santo velho, acho que Santa Isabel, não sei identificar, espero o guarda vestido de militar passar a corrente envolvendo a porta gigante de madeira pesada e, com o brilho do isqueiro, faço luz para te escrever.

Confiro o ticket que tiro ileso do meu bolso “Panapiacaba” cadeira 5 as 6:11 da manhã.

Cadeira 5 me parece perto do maquinista, assim prefiro acreditar na esperança de sobrevivência caso um desajuste de trilhos ocorra, foi assim que você me disse um dia, é assim que vou fazer.

A sua habilidade de escolher lugares aleatórios para um encontro é imensa.

Abro a bolsa para tirar um lenço largo, preto, de lã falsa que comprei no caminho da estação e de dentro dele cai uma chave, a chave de casa que pelo visto esqueci de deixar para Sabrina. Droga de mente atormentada a minha, droga de desorganização com as pequenas coisas, droga.

Respiro fundo ao lembrar que, talvez,  ela tenha uma cópia.

Isso me deixa um pouco mais tranqüila e então acendo um cigarro amassado que veio junto com o lenço. Desfaço minha culpa nas tragadas e penso em você…mas não no seu rosto, esse rosto eu não sei pensar. Penso nas suas mãos, partes importantes que te fazem ser quem é.

Consigo sentir meu pescoço pulsar, ele treme forte como se toda a minha circulação estivesse correndo uma maratona olímpica. Procuro o remédio na carteira e conto os que me restam, são 18 os comprimidos ainda fechados, 18 dias e nada mais. Confesso que cogito deixa-los, encurtar a possível abstinência seria inteligente ao seu ver, não seria? Me arrependo de ter feito essa pergunta a você, oq irá discorrer sobre isso me chateia, eu já sei.

Um barulho de explosão pequena toma o salão imenso desse lugar aqui, me encolho e, atenta, imagino se não existem mais pessoas como eu dormindo atrás de imagens.

Novamente um barulho, agora mais alto. O que vem depois é um silêncio bruto. Percebo que os barulhos são das explosões internas causadas nas madeiras devido ao aquecimento interno.

Olho no relógio, 2:55 AM. Pego o lenço e o estiro no chão, você não sabe, mas eu consigo acordar se assim programar a minha mente. Você não sabe mas eu fiz tudo isso de uma maneira quase programada. Deito por cima das minhas mãos, mas logo as estiro para baixo do meu tronco, o cheiro de sangue ainda está, e ele me enjoa um pouco, desde pequena sou assim. Respiro 3 vezes e tento bloquear da minha mente aquela violência toda. Fugir sempre esteve nos meus panos, quando eu era criança queria ir embora de todos os lugares que morava, só para criar um movimento original meu mas dessa vez, meu desejo é voltar atrás, eu queria…Penso na cidade e no trem que vai sair. Acho que durmo em menos de um minuto, mas mesmo assim continuo a falar, sem som, daquela forma fazíamos antes de eu me perder de mim.